Filhos de Lameque
“E disse Lameque a suas mulheres Ada e Zilá: Ouvi a minha voz; vós, mulheres de Lameque, escutai as minhas palavras; porque eu matei um homem por me ferir, e um jovem por me pisar” (Gênesis 4:23)
Pouco depois de registrar a queda do homem, o escritor de Gênesis relata a depravação total em que a humanidade se encontrava. Caim, movido por seu ódio velado contra Deus, mata o próprio irmão e, ao ser confrontado pelo Senhor, endurece-se à possibilidade de arrependimento (Gênesis 4.9,14), evidenciando a profunda corrupção que o pecado causou no homem.
Mais adiante, encontramos a declaração do próprio Senhor acerca do caminho que o homem escolheu seguir:
“O fim de toda carne é vindo perante a minha face; porque a terra está cheia de violência; e eis que os desfarei com a terra.” (Gênesis 6.13)
Embora não encontremos, nas Escrituras, registros precisos e detalhados sobre o estágio de depravação daquela sociedade, podemos, por meio de algumas declarações registradas por Moisés em Gênesis, compreender quão deplorável é o homem afastado de seu Senhor.
Uma dessas declarações é a fala de Lameque, o primeiro homem a desprezar o princípio da monogamia estabelecido por Deus:
“Matei um homem por me ferir, e um jovem por me pisar.”
É importante lembrar, contudo, que há dois homens identificados no texto bíblico como Lameque: um é filho de Matusalém e pai de Noé; o outro, filho de Metusael e pai de Jabal, Jubal, Tubalcaim e Naamá, este é quem o texto bíblico registra como sendo imoral e violento.
“Matei um homem por me ferir, e um jovem por me pisar”
A declaração de Lameque, por mais hedionda que possa ser, não nos é estranha. O mais trágico, contudo, é que não se trata de um instinto primitivo, mas do estado em que se encontra o coração depravado humano.
Sabemos que o século XX foi um dos mais, senão o mais, sangrento de toda a história humana. Duas grandes guerras, centenas de conflitos armados de diferentes proporções e regimes tirânicos marcaram esse período.
Ainda assim, afirmo, sem ressalvas, que nossa geração se assemelha, e muito, a Lameque. Gloriamo-nos de grandes feitos e avanços, mas permanece latente em nossa sociedade o desejo de retaliar à mínima ofensa. Há um anseio contínuo por vingança, por sangue, por morte.
Nossa geração tem bebido da mesma fonte de Lameque, alimentando-se do mesmo rancor de Caim e entronizando o mesmo desejo homicida que pertence ao diabo. Talvez sejamos ainda mais depravados que os homens daquele tempo, pois não apenas nos orgulhamos do sangue derramado, como também celebramos os que o derramam.
E o mais lamentável é ver cristãos nominais juntando-se ao coro que exalta a violência, celebrando o reino de destruição instaurado por Satanás.
Quantas vezes, mesmo sem verbalizar, nutrimos em nossos corações o mesmo princípio de vida de Lameque? Estamos realmente conscientes do valor da vida humana diante de Deus, independentemente do que o homem seja ou tenha se tornado? Teríamos nos esquecido de que todos, sem exceção, são condenáveis diante do Senhor?
A genealogia de Caim e Sete
Os capítulos 4 e 5 de Gênesis nos apresentam um contraste poderoso: de um lado, a linhagem de Caim, marcada pelo sangue e pela crueldade; do outro, a linhagem de Sete, marcada por homens que invocavam o nome do Senhor.
Lemos que Sete gerou Enos, e este começou a invocar o Deus de seus antepassados, o Deus que havia sido esquecido pela humanidade. Depois lemos sobre Enoque, o homem que andou com Deus. E ainda, sobre Lameque (filho de Matusalém), que profetizou sobre o consolo que viria através de seu filho Noé.
Hoje, essa mesma dicotomia permanece visível. De um lado, estão os filhos de Lameque, os que cantam orgulhosos o sangue que derramaram, que enaltecem a morte do próximo e que entronizam assassinos, justiceiros e vingadores. Do outro lado, estão os filhos de Sete, os que seguem os passos de Enoque, obedecem como Noé e não se conformam com a crueldade de sua geração, nem com o desejo profano por sangue.
São homens e mulheres que buscam refúgio em Deus, enquanto o restante da sociedade busca segurança em suas armas, em seus próprios meios, ou em seus representantes militares. São aqueles que não estão dispostos a negociar sua fé, nem a trocar a esperança no Rei eterno por uma ilusão forjada por um partidarismo pseudocristão Ser filho de Sete, hoje, é resistir à cultura da violência com mansidão, fidelidade e santidade. É viver como Enoque, em comunhão com Deus, mesmo que ao redor todos exaltem a espada.