A Bíblia sob ataque

Até dois ou três séculos atrás, praticamente todos os que pertenciam à igreja acreditavam que a Escritura é a Palavra de Deus. É verdade que a Igreja Católica Romana, negando que a Bíblia pudesse ser compreendida pelas pessoas comuns, insistia que ela não deveria ser dada a elas em sua própria língua. Mas mesmo assim, ela nunca questionou que a Escritura fosse a Palavra de Deus. Somente em séculos recentes a Bíblia passou a sofrer ataques sérios.

O primeiro ataque começou com o que é conhecido como Alta Crítica. Surgiu na Alemanha por volta do final do século XVII como um desdobramento do racionalismo e da filosofia moderna. Insistia que a Bíblia era um produto humano, produzido pela igreja em séculos passados para expressar o que homens individuais tinham a dizer sobre Deus.

Embora a Alta Crítica, em sua forma extrema, ainda seja prevalente em muitas congregações e instituições de ensino superior, esta não é minha principal preocupação. Minha preocupação principal é com aqueles que afirmam acreditar que a Bíblia é a Palavra de Deus, mas sorrateiramente a negam ao afirmar que a Bíblia é tanto uma produção divina quanto humana. É uma posição amplamente adotada hoje no mundo evangélico.

Negação da Inspiração Infalível

O argumento mais comum que mina a Bíblia é mais ou menos assim: Embora a Escritura seja infalivelmente inspirada por Deus, ela não obstante reflete as noções e pontos de vista dos homens que Deus usou para escrevê-la, homens cujo pensamento foi influenciado por uma cultura passada e revela uma falta de conhecimento científico.

Esta visão é tipicamente usada por aqueles que adotaram a teoria evolutiva da origem do mundo. Embora afirmem que a Bíblia é a Palavra de Deus, insistem que Gênesis 1 não é um relato literal da criação.

Pode ser saga; pode ser mito; pode ser uma doxologia destinada pela igreja para louvar a Deus o Criador; mas seja o que for, Gênesis 1 não deve ser tomado literalmente.

Um argumento similar é empregado por aqueles que defendem o pastorado feminino. Concedem que certas passagens na Bíblia de fato proíbem mulheres de ocupar cargos eclesiásticos.

Mas essas injunções, dizem, aplicavam-se à cultura e costumes prevalecentes na época em que a Bíblia foi escrita e não são mais relevantes no mundo moderno.

Da mesma forma, há aqueles que concordam que algumas passagens na Bíblia "podem ser interpretadas" como condenando a homossexualidade, mas que ambientes sociais em mudança exigem que a igreja trate tais passagens sobre homossexualidade como tratamos passagens sobre escravidão, usura, guerra ou o papel das mulheres.

Erro Subjacente

Por trás dessas posições está este tema comum: A Bíblia, embora inspirada, contém um elemento ou fator humano porque foi escrita por homens que foram especificamente escolhidos por Deus.

Ele escolheu esses homens porque viveram em tempos particulares da história, tinham dons particulares e traços de caráter particulares, e mantinham visões que foram formadas na cultura em que viveram. E Deus permitiu que suas personalidades, seus dons únicos e suas influências culturais fossem incorporados na Escritura.

O problema é que tal argumento esquece as doutrinas da predestinação e providência. É verdade que Deus usou homens para escrever a Escritura sem anular suas personalidades, dons, estilos de escrita e condicionamento cultural.

Não obstante, quando Deus queria que qualquer passagem dada fosse registrada, Ele não olhou ao redor no mundo abaixo para encontrar alguém que fosse adequado para escrever o que Ele tinha em mente. Pelo contrário, Ele havia determinado os escritores desde toda a eternidade. E Ele os moldou por Seu decreto de providência.

Por exemplo, Deus ordenou eternamente em Seu conselho que haveria um Moisés, nascido em um determinado tempo, treinado por quarenta anos no palácio de Faraó e educado no deserto do Sinai por outros quarenta anos.

Ele foi desta forma moldado, preparado e dotado com tais dons que eram necessários para escrever os primeiros cinco livros da Bíblia. Deus ordenou Moisés. Deus o preparou. Tudo que era necessário para torná-lo adequado para o trabalho foi obra de Deus.

Esta verdade vital é refletida em Jeremias 1:4,5:

"Veio, pois, a mim a palavra do SENHOR, dizendo: Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre, te santifiquei; às nações te dei por profeta."

Deus trabalhou desta forma porque Deus planejou eternamente toda a Escritura junto com cada indivíduo que Ele usaria para prepará-la.

Teologias Humanas

A insistência de que há um elemento humano na Escritura leva a ainda outro erro. Cada vez mais, teólogos falam da teologia de Paulo, da teologia de João, da escatologia de Pedro, etc. Isso está errado.

O próprio termo "teologia de Paulo" sugere que a visão de Paulo sobre a verdade foi de sua própria invenção. Quando tal linguagem é usada, a teologia do Espírito Santo nunca é mencionada. O fato é que porque a Escritura é de origem divina, ela contém apenas a teologia de Deus, e o crente, aceitando a Escritura como tal, está interessado apenas no que Deus diz que é verdade.

Ainda assim, estudiosos preocupados com a ideia de um elemento humano na Escritura estão determinados a explicar como a Escritura veio a existir de um ponto de vista humano. Para entender este elemento humano, dizem, muito conhecimento adicional é necessário.

Nos é dito, por exemplo, que para entender o que a Bíblia ensina, deve-se estar bem informado em arqueologia, porque podemos conhecer as culturas antigas nas quais o Antigo Testamento foi escrito a partir de ossos e pedaços de cerâmica. Deve-se estudar escritos antigos judaicos, gregos e romanos para aprender o tipo de pensamento que prevalecia quando os evangelhos do Novo Testamento foram escritos. Deve-se estar completamente familiarizado com a língua grega como ela era usada dois mil anos atrás para saber o que qualquer versículo dado do Novo Testamento significa.

Próprio Dicionário

Não estou dizendo que um estudo dessas coisas não pode ser uma ajuda para estudos bíblicos. Mas elas não são essenciais para entender a Escritura. A Bíblia é seu próprio dicionário e comentário, pois Escritura interpreta Escritura. Deus fala na Escritura. Ele fala àqueles que vêm à Escritura em fé. Não requer a sabedoria do mundo para ser compreendida. De fato, Deus diz em 1 Coríntios 1:26,27:

Porque, vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados. Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes.

Verdades Fundamentais

As duas passagens clássicas para a prova da inspiração infalível da Escritura demonstram isso. Lemos em 2 Timóteo 3:16: "Toda a Escritura é divinamente inspirada"

Isto é, toda Escritura é soprada por Deus. O texto não diz que toda Escritura é soprada por Deus, mas por meios humanos. Simplesmente diz: toda Escritura é soprada por Deus, e é somente por causa disso que toda Escritura é "proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça".

Se você qualificasse ou modificasse o caráter soprado por Deus da Escritura de qualquer forma, não poderia acrescentar o resto do que é dito sobre a Escritura. Ela perderia seu poder de salvar, pois a palavra do homem não pode salvar ninguém do pecado.

A declaração em 2 Pedro 1:20,21 é ainda mais forte. Começa: "Nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação." Isso significa que não há palavra na Bíblia que seja a opinião particular do humano que a escreveu. Por que é assim? O próprio texto explica: "Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum." Não foi a vontade do homem que produziu a Bíblia.

Homens Santos

Se a vontade do homem tivesse desempenhado um papel na escrita das Escrituras, então algumas opiniões pessoais e particulares seriam esperadas estar nas Escrituras. Mas não foi assim que a Escritura veio. Como então as Escrituras vieram a existir? A própria resposta da Bíblia: "mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo."

Pedro e Paulo e Daniel e todos os outros homens que foram usados por Deus para escrever partes da Bíblia eram todos pecadores como você e eu. Mas quando escreveram a Escritura, eram homens santos de Deus; isto é, foram preservados do erro pelo Espírito Santo. Em sua escrita das Escrituras, eram incapazes de errar.

Além disso, quando falaram, foram movidos pelo Espírito Santo. Essa palavra "movidos" é a mesma palavra que é usada em Atos 27 para descrever como o navio levando Paulo a Roma foi impelido pela força do vento. Estava fora do controle dos homens a bordo. Assim, os homens santos escrevendo a Bíblia foram levados pelo Espírito Santo de tal forma que na escrita suas próprias vontades não desempenharam papel algum.

Um milagre

A Bíblia, devemos ter em mente, é um milagre. A escrita da Escritura pelo Espírito Santo através de homens santos é o mesmo tipo de milagre que a queda das muralhas de Jericó, que a água que saiu da rocha em Refidim, e que a encarnação de nosso Senhor Jesus Cristo.

Portanto, se alguém nega a origem exclusivamente divina da Escritura, mais cedo ou mais tarde vai negar os outros milagres que a Escritura registra. Os dois pertencem juntos. O milagre da Escritura é parte de todas as obras miraculosas de Deus.

Pode-se manter a verdade concernente à Santa Escritura sendo a Palavra de Deus somente se mantiver a verdade fundamental de que a salvação é pela graça somente. Tristemente, a doutrina da graça soberana também foi substancialmente negada ultimamente. A igreja caiu no erro da doutrina do livre arbítrio, isto é, há um elemento humano na obra da salvação; que o próprio homem deve contribuir algo para sua salvação. Quando a obra do homem é introduzida na obra da salvação, o elemento humano também é introduzido na inspiração da Escritura. Os dois ficam de pé ou caem juntos. O milagre da Escritura é parte do milagre da salvação.

Somente a Fé

Na análise final, devemos perceber que a Escritura é um livro que, crendo nele, nos dá o próprio Cristo. Isso significa que a Escritura só pode ser recebida pela fé. A prova de que a Bíblia é a Palavra de Deus não reside em prova racional e empírica. O incrédulo nega a Escritura, não porque é ignorante, mas porque é ímpio. Somente a fé salvadora pode mudar o ódio do homem a Deus. A fé recebe as Escrituras porque a fé dá comunhão viva com Deus em Cristo.

Suponha que eu estou no exterior e minha esposa me escreve uma carta de casa. Enquanto leio ansiosamente essa carta, alguém me diz: "Como você sabe que sua esposa escreveu esta carta? Talvez alguém a digitou e falsificou a assinatura dela." Eu direi a ele: "Bem, eu sei que esta é carta dela porque eu a conheço. Este é o jeito que ela fala. Este é o jeito que ela escreve. Essas são as coisas sobre as quais ela falaria."

Pessoal

É assim com a Bíblia. Quando alguém vem a mim e diz "Prove-me que a Bíblia é escrita por Deus" então eu digo: "Eu acredito que é porque conheço o Autor. Este é o jeito que Ele escreveria. Sua assinatura está em cada página! Este é meu Pai celestial falando comigo. Este é meu Noivo escrevendo para mim, Sua Noiva." E se ele diz: "Eu não vejo isso" então eu digo: "Sinto muito. Não há nada que eu possa dizer para convencê-lo. Apenas oro para que Deus abra seus olhos".

Isso é o que a fé é, não é? A fé não é um salto no escuro. A fé não é a aceitação de algo que ninguém pode provar, uma espécie de aceitação cega do improvável. A fé é o vínculo que coloca alguém em comunhão com Cristo. A fé nos faz conhecê-Lo como nosso Cristo.

E então quando Sua carta chega a nós, dizemos: "Isso é o que Ele diria. Isso é o que quero e preciso ouvir. Sei que Ele a escreveu. Sou casado com Ele. Ele é meu Noivo. E se você não acredita nisso, sinto muito. A carta não é para você mesmo. Por favor, deixe-me em paz. Quero ler minha carta."

HANKO, Herman C. The Bible Under Attack. Mountain Retreat. Disponível em: https://www.mountainretreatorg.net/articles/bibleunderattack.html. Acesso em: 17 ago. 2025. Tradução e adaptação: Projeto Euaggelion.